terça-feira, 15 de abril de 2008

Agricultura familiar...

Porque se preocupar em adquirir o que não mata a sede nem a fome?
O que importa é a saúde, a educação, a qualidade de vida.
E esta última (a qualidade de vida)), já se provou, não aumenta com o aumento do PIB...

AMÉRICA LATINA: OPORTUNIDADE PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

A alta internacional dos preços dos alimentos pode abrir um caminho de desenvolvimento para a agricultura familiar se os países lhe derem apoios efetivos, no contexto de políticas de longo prazo, afirmam diversos atores. O encarecimento dos produtos agrícolas, que começou em 2002, se explica por diversos fatores. Em uma primeira etapa, pela demanda de países com grande quantidade de pobres que começaram a se alimentar melhor, como China e Índia, e a revisão das projeções de consumo de milho para produzir etanol nos Estados Unidos. Em 2005 e 2006 influíram as secas, inundações e geadas, e hoje estamos diante de um movimento especulativo derivado da queda do dólar, cujo término é difícil de prever, afirmou à IPS José Graziano da silva, diretor regional da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Para Martine Dirven, chefe da Unidade de Desenvolvimento Agrícola da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), projeta-se valores relativamente altos durante os próximos 15 ou 20 anos. Embora não haja uma definição única de agricultura familiar camponesa – explicou Dirven à IPS – associa-se a elas três características: trabalho familiar, ausência de empregados permanentes e obtenção de renda suficiente para sua reprodução. O camponês se relaciona com “um modo de vida que inclui valores especiais em relação à terra”, acrescentou. Segundo a Cepal, 80% do total das explorações agropecuárias da região estariam em mãos de agricultores familiares.

Embora desde 1990 tenha havido uma redução da pobreza e indigência rurais, a maioria dos agricultores por contra própria registraram queda na renda, drástica em alguns países, com exceção de Chile, Paraguai e Colômbia, afirma Dirven em uma publicação de 2007. A atual conjuntura de carestia de alimentos pode converter-se em uma oportunidade para a agricultura familiar? Dirven e Graziano consideram que um obstáculo maior é que os ganhos não são divididos de forma igual entre os diferentes componentes da cadeia produtiva. “O setor intermediário não-agrícola é o que mais ganha, sobretudo os atacadistas”, garantiu Graziano. Naqueles casos em que efetivamente há um impacto positivo na renda dos pequenos, disse Dirven, “também há um impacto nos gastos, porque sua situação não melhora em si”. Uma das tendências com conseqüências negativas sobre a pequena agricultura é a “concentração cada vez maior dos agentes na transformação e comercialização dos produtos agrícolas (sobretudo agroindustriais e supermercados)”, diz Dirven em seu estudo. Neste cenário, os produtores associados aparecem com melhores oportunidades. Segundo Graziano, para aproveitar o momento atual os países deveriam “ter uma política de incentivo à produção de alimentos, principalmente dos menores”. A seu ver, há três ferramentas-chave para isso: créditos brandos, compras de alimentos para garantir mercados e gerar estoques mínimos e a aquisição direta dos agricultores familiares para distribuir aos mais pobres. Dirven também propõe a possibilidade de entregar um subsidio à agroindústria para que se abasteça da agricultura familiar.

No Brasil existe um Programa de Aquisição de Alimentos produzidos por agricultores familiares que assegura o acesso das famílias pobres à alimentação, merenda escolar e abastecimento de hospitais, criando um mercado sólido para o setor. Isto é muito significativo na pobre região nordeste do País. De acordo com o último censo agrícola de 1995-1996, há no Brasil 4,2 milhões de unidades familiares agrícolas, com dois milhões de famílias em situação de pobreza. “A alta dos preços favorece a agricultura familiar sem um efeito inflacionário muito significativo no Brasil, porque a oferta é firme”, disse à IPS João Luiz Guadagnin, diretor de Financiamento e Proteção à Produção Agrícola do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Os pequenos produtores de leite são especialmente beneficiados, acrescentou. Entre as políticas brasileiras de apoio está o Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf), que outorgou 1,9 milhão de contratos de créditos brandos no valor de US$ 5 bilhões em 2007. Também há seguros contra danos climáticos e um Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar, que compensa quando os preços caem abaixo do custo de produção.

No Chile há cerca de 300 mil pequenas explorações agrícolas – que representam mais de 80% do total – fornecendo 45% das hortaliças de consumo interno, 43% do milho, trigo e arroz, e 40% do gado bovino (carne e leite), segundo o Ministério da Agricultura. “Seria irresponsável dizer que não houve avanços, mas, não os esperados. Os problemas da agricultura são muitos para os apoios que está recebendo”, assegurou à IPS Rigoberto Turra, presidente do Movimento Unitário Camponês e Étnicas do Chile (Muchech). As principais dívidas do governo são “maior capacitação para os agricultores, fortalecimento técnico das organizações camponesas e ajujda para a comercialização internacional dos produtos”, acrescentou o dirigente da Muchech, que reúne cerca de 180 mil agricultores autônomos e assalariados. O diretor-executivo do não-governamental Escritório Coordenadora de Assitência Camponesa (OCAC), Ivan Radovic, concordou com Turra quando aos subsídios e ajudas do governo serem “insuficientes” e não existir uma “política agressiva” que permita a agricultura familar dar um salto em matéria de desenvolvimento. O ministro interino da Agricultura, Reinaldo Ruriz, disse à IPS que “não compartilha” essas opiniões porque ao seu ver o país dá um “apoio permanente” ao setor.

A alta de preços é “uma boa noticia para nossos produtores”, sobretudo para os pequenos que abastecem o mercado interno, mas, “vemos com preocupação o aumento que também tiveram os preços dos insumos (como fertilizantes), o que reduz suas margens de lucro”, disse Ruiz. Por isso, o ministério pediu à Procuradoria Nacional Econômica que investigue uma eventual acordo entre os fornecedores. Também colocou à disposição dos consumidores e produtores informação semanal de preços de hortifrutis em supermercados e feiras-livres em seu site na Internet. Muchech reclama assessoramento jurídico aos camponeses para que possam melhorar seus preços de venda em negociações com intermediários e supermercados. Ruiz confirmou que já se está trabalhando com isso. No Equador, 91% dos 843 estabelecimento agropecuários são familiares, segundo dados de 2000, e costumam vender sua produção a grandes comerciantes, os principais beneficiados pela conjuntura de preços. Os produtos que mais aumentaram são farinha e arroz. Para apoiar a agricultura familiar, o governo dispõe de créditos brandos através do Banco de fomento, refinanciamento de dívidas e organização de feiras para venda direta ao público, eliminando o intermediário.

Dados oficiais da Argentina mostram que mais de 566% das explorações agropecuárias desse país são de agricultura familiar. Trata-se de aproximadamente 150 mil unidades produtivas, ocupando 23 milhões de hectares e que produzem 20% do valor bruto da produção e representam 53% do emprego rural. Porém, mais da metade tem problemas para sua reprodução familiar. Consultado pela IPS se o encarecimento dos produtos beneficiou o setor, Diego Montón, do Movimento Nacional Camponês, disse que “não, muito pelo contrário”. “Há 30 anos não temos nenhum beneficio. Todas as políticas do Estado são voltadas a incentivar os agronegócios, e a agricultura familiar não fez mais do que retroceder, muitos (agricultores) foram expulsos de suas terras”, disse o agricultor de La Valle, na província de Mendoza. “O único eixo que se leva em conta – pelo Estado – é a rentabilidade, não se considera a vida comunitária. Os governos quase não têm políticas para nós. Apenas 5% do orçamento da Secretaria da Agricultura são para planos assistenciais para o nosso setor, mas não para uma política transformadora, mas pequenos subsídios que não produzem mudanças estruturais”, ressaltou. Para Dirven, qualquer apoio à agricultura familiar deve estar marcado por uma política agrícola e de desenvolvimento rural com visão para 50 anos. Os governos deveriam apostar especialmente na renovação das gerações no campo, afirmou. Por Daniela Estrada, da IPS, com colaborações de Marcela Valente (Argentina), Mario Osava (Rio de Janeiro) e Kintto Lucas (Quito). (Envolverde/IPS).

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