quarta-feira, 21 de maio de 2008

A escola do futuro já existe, no interior...

Porque não também AQUI no interior? Eis um modelo a ser seguido:

A escola do futuro já existe, no interior

Parceria transforma instituição em modelo de pedagogia inovadora

Renata Cafardo

A escola foi reinventada no meio de um vale nas montanhas de Campos de Jordão. Não tem aulas, classes ou disciplinas. O professor não é necessariamente um professor. Há grupinhos de crianças dentro e fora, umas tocam flauta, outras correm no gramado, outras escutam histórias em inglês.

A Escola Municipal Rural Antônio José Ramos, que estava fadada a desaparecer há dois anos, transformou-se num modelo de pedagogia inovadora por meio de uma parceria público-privada. Em meados de 2006, havia sete alunos na escola. A prefeitura da cidade de Santo Antonio do Pinhal - a 15 quilômetros de Campos e com 7 mil habitantes - não tinha como manter estrutura, funcionários, educadores.

Foi então que a Fundação Semco, do empresário Ricardo Semler, propôs assumir a unidade e implementar um método que já desenvolvia em sua escola particular na capital. Hoje, são 45 alunos, de 3 a 7 anos, e a prefeitura se esforça para lidar com pedidos dos que querem transferir seus filhos para lá.

A educação é estruturada por meio de projetos. "Há outras escolas que usam projetos, mas o fazem como um apêndice porque continuam a ter aulas de português, matemática", diz a pedagoga e gerente de Educação Social da Microsoft, Ana Teresa Ralston. A empresa é também parceira da escola e para lá levou pequenos laptops, que fazem a alegria das crianças. "Elas não têm aula de Office", explica. O computador é mais uma ferramenta para ajudar a desenvolver a leitura, cálculos, concentração.

Com o dedinho ágil no teclado, Giovana Ribeiro dos Santos, de 7 anos, faz um exercício de alfabetização no meio do gramado, com vista para a montanha. Preenche uma vogal que falta na palavra ?vaca?. O colega Denilson de Carvalho, também de 7, avisa que falta um ?o? em ?bola? e não um ?a? "porque aí seria bala".

O menino conta que na casa dele não tem luz e que caminha durante uma hora até onde pára a van - o transporte é oferecido pela fundação para as crianças. "Tem onça e cobra no mato", diz. Seus pais trabalham na roça, como quase todas as famílias dos alunos. E cerca de 90% dos pais e mães são semi-analfabetos.

Quem orienta as crianças com os computadores e constrói recursos, como o exercício das vogais, é William Rocha, que na escola é chamado de mestre em tecnologia. Ele não é professor, mas tem formação na área de informática e criou um projeto para quem usa essa ferramenta. Outra mestre é a funcionária da prefeitura e música, que se tornou responsável pelo projeto chamado Música, Arte e Cultura. As crianças, que nunca tinham visto flautas, agora tocam a Nona Sinfonia de Beethoven. Tem ainda o dono da academia e seu projeto que trabalha a motricidade, a respiração e a coordenação das crianças.

"Além dos mestres, há sempre um educador presente, orientando, observando o desenvolvimento dos alunos", diz a diretora do Instituto Lumiar, braço educacional da Fundação Semco, Daniella Dupont. Essas educadoras - três, precisamente - são as únicas funcionárias do município pagas pela prefeitura para atuar na escola. Mas elas recebem ainda um complemento de salário para trabalhar por mais horas, já que a escola é a única da cidade que atende as crianças em período integral.

"A gente brinca que nem sabe mais trabalhar numa escola tradicional", diz uma delas, Vivian Cristini Faria de Sá. A fundação investe R$ 5 mil por mês na escola. Além do pagamento de funcionários, o dinheiro é usado para complementar a merenda e comprar materiais como brinquedos, livros em francês e em inglês, mesas e cadeiras apropriadas para o projeto pedagógico.

Nos dois únicos espaços fechados da escola de Santo Antônio do Pinhal, as carteiras não são viradas para a lousa. As mesinhas coloridas têm ângulos que, juntas, formam um hexágono, com as crianças olhando umas para as outras. O professor não tem mesa, as lousas estão em todas as paredes e vão de cima a baixo - uma delas, digital, doação de outra empresa parceira, a Smart Board.

"Somos contra a imagem de que o educador fica na frente da sala, transmitindo o conteúdo", explica Daniella. "Hoje, o conteúdo está em todo lugar, disponível para todo mundo, mas as competências e habilidades para compreendê-los não estão", afirma Ana.

DEMOCRACIA

Semanalmente, a escola completa o rol de inovações com um momento democrático de discussão de regras, eventos e pequenos acontecimentos da vida dos alunos. É a chamada roda, num modelo semelhante ao usado na Escola da Ponte, em Portugal, que existe há 28 anos e só recentemente foi reconhecida pelo Ministério da Educação do país. Lá, os objetivos, tarefas e deveres dos alunos são decididos por eles mesmos em assembléias. No interior de São Paulo, existe apenas um começo dessa prática, quase uma tentativa. Entre as decisões mais importantes já tomadas está a mudança do início das aulas, de 8 horas para as 9 horas.

No estabelecimento mantido pela fundação na capital, a Lumiar, que fica nos Jardins, a roda é mais efetiva. Lá, os alunos escolhem até qual projeto vão seguir. "Há crianças mais velhas, que ajudam a conduzir a discussão e os adultos não precisam interferir tanto", diz Daniella.

Na semana passada, as crianças de Santo Antônio do Pinhal discutiam o que fazer com um colega que vinha importunando os outros, rasgando desenhos, atrapalhando atividades. "Acho que ele devia ficar três meses sem brincar no parquinho", sugeria um. "A gente devia xingar ele (sic)", palpitava outro. No fim, foi decidido, com o auxílio das educadoras, que a mãe do menino-problema seria chamada à escola.

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