sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Especialistas alertam sobre a iminente crise de escassez de fósforo

Do blog "controversia" (http://blog.controversia.com.br/2010/05/02/especialistas-alertam-sobre-a-iminente-crise-de-escassez-de-fsforo/), originalmente publicado na Der Spiegel...

Se a gente já sabe que as jazidas vão se esgotar, porque não fazer o certo da primeira vez? Explorar/recuperar o fósforo dos esgotos! Assim se resolve TAMBÉM o problema de saneamento das grandes cidades!

O fosfato atualmente é extraído das jazidas e processado para ser usado como adubo. As plantações são adubadas e as colheitas são transformadas em alimentos para os moradores das grandes cidades. No final do ciclo o fosfato vai para nos esgotos. Até quando? Até se esgotarem as jazidas? Só então vão pensar em recuperar o fosfato dos esgotos e do lixo orgânico? Após devastarem as regiões das jazidas? Estupidez!

Especialistas alertam sobre a iminente crise de escassez de fósforo

Hilmar Schmundt

Máquina move minérios com fosfato em   complexo de produção de fertilizantes no Iraque

Máquina move minérios com fosfato em complexo de produção de fertilizantes no Iraque

O elemento fósforo é essencial à vida humana e o ingrediente mais importante dos fertilizantes. Mas os especialistas alertam que as reservas de rochas de fosfato do mundo estão acabando. Será que reciclar o esgoto é a resposta?

Eles peneiram o pó entre os dedos, cheiram-no e admiram seu leve brilho marrom. Membros de uma delegação japonesa, vestidos com ternos pretos e capacetes amarelos, observam com atenção dentro de uma fábrica em Leoben, Áustria, maravilhados com a transformação aparentemente milagrosa do esgoto fétido em cinzas valiosas.

Nada indica que a poeira marrom venha de uma fossa. Ela não tem cheiro, é higiênica e tão segura quanto a areia de um parquinho infantil. E também é valiosa. A poeira contém cerca de 16% de fosfato. O elemento, principal ingrediente básico dos fertilizantes minerais, é atualmente comercializado por US$ 335 a tonelada.

O lodo de esgoto costumava ser jogado sem tratamento nas plantações como esterco líquido, até que se tornou evidente o quanto era tóxico. As excreções humanas estão cheias de metais pesados, hormônios, bifenil – e medicamentos. Novas fábricas de processamento conseguem remover essas toxinas com muito mais eficácia hoje, abrindo caminho para o uso do lodo de esgoto como um fertilizante seguro. A Ash Dec, companhia que opera a fábrica piloto em Leoben, apelidou o programa de "Ash to Cash" ["Cinzas em Dinheiro"].

Essa abordagem pouco convencional pode ser importante para toda a humanidade. Embora o termo "pico do petróleo" - o ponto em que a capacidade de produção chegará ao pico antes que os poços de petróleo comecem a secar – seja bastante conhecido, poucas pessoas sabem que as reservas de fósforo também estão se esgotando. Especialistas se referem a este cenário como o "pico do fósforo".

"Embora o tempo exato seja motivo de controvérsia, está claro que a qualidade das rochas de fosfato que ainda restam está diminuindo, e os fertilizantes baratos em breve serão coisa do passado", alerta Dana Cordell do Instituto para Futuros Sustentáveis em Sidney. Uma crise de fosfato seria no mínimo tão séria quanto uma crise do petróleo. Enquanto o petróleo pode ser substituído por outras fontes de energia – nuclear, eólica ou solar –, não há uma alternativa para o fósforo. É um elemento básico para todo tipo de vida, e sem ele os seres humanos, animais e plantas não podem sobreviver.

Gerador da vida e letal

O elemento fósforo liga-se ao oxigênio, que dá a ele seu duplo papel como elemento gerador da vida e também como elemento letal. Como ele se liga facilmente, o fósforo é altamente inflamável, e por isso é usado em bombas incendiárias. Por outro lado, o fósforo é uma parte essencial das biomoléculas.

O químico conhecido como fosfato, que consiste em um átomo de fósforo cercado por um cordão de segurança de átomos de oxigênio, é uma das bases da vida. O corpo humano, por exemplo, contém cerca de 700 gramas de fósforo. Nossos dentes de ossos devem sua força a um mineral de fosfato, mas as células nervosos e os músculos também dependem do químico. Até as moléculas de DNA são mantidas unidas pelo fósforo.

"A vida pode se multiplicar até que todo o fósforo desapareça, e então haverá uma interrupção inexorável que nada poderá evitar", escreveu o autor de ficção científica e bioquímico Isaac Asimov. Pessoas que não consomem pelo menos 0,7 gramas de fósforo por dia com seus alimentos têm maior probabilidade de sofrer sintomas de deficiência.

A demanda por fertilizantes para plantar alimentos para ração animal cresceu por conta da fome de carne dos países ricos. O crescimento da prosperidade na China e o cultivo de plantas para produzir biocombustíveis estão aumentando ainda mais essa demanda, o que gera mais especulação nos mercados globais. Há dois anos, o preço da rocha de fosfato subiu 700%, e depois teve uma ligeira queda. Os mercados estão nervosos.

"Uma bomba-relógio"

Apenas quatro países – Marrocos, China, África do Sul e Jordânia – controlam 80% das reservas de fosfato utilizável do mundo. O Marrocos é um exportador particularmente importante, a Arábia Saudita do fósforo, por assim dizer.. Suas reservas se formaram há milhões de anos, quando restos de animais de plâncton foram depositados como sedimentos no fundo de um mar raso e quente. O tesouro fóssil do Marrocos responde por cerca de 37% das reservas mundiais.

A Europa, por outro lado, quase não tem reservas próprias, e depende das importações para satisfazer 90% de sua demanda. O fósforo é uma "bomba-relógio geoestratégica", alerta David Vaccari, professor de engenharia ambiental no Instituto de Tecnologia Stevens em Hoboken, Nova Jersey. "Eventualmente podemos ser obrigados a implantar um alto grau de reciclagem à medida que os recursos se tornam escassos", diz ele. "Quanto mais cedo implantarmos tecnologias de reciclagem, mais tempo os recursos atuais durarão, facilitando a transição para um período em que uma intensa reciclagem se tornará imperativa."

Até mesmo o escritor francês Victor Hugo reconheceu o problema, interrompendo seu famoso livro "Os Miseráveis" para escrever várias páginas de uma defesa inflamada do uso de material fecal humano como fertilizante. "Não há guano que se compare em fertilidade aos detritos de uma capital", enfatizou.

E agora o sonho do escritor pode finalmente tornar-se realidade. A indústria é chamada de "mineração urbana", e além de reciclar metais, vidros e plástico, logo poderá transformar os esgotos em minas de fertilizantes. As estações de tratamento de esgoto acumulam quase um quilo de fosfato por ano por morador.

Nas estações de tratamento de esgoto atuais, os fosfatos vão parar no logo, que é então aquecido em fábricas de mono-combustão e com frequência levado a aterros em forma de cinza ou misturados ao concreto – junto com este valioso fertilizante.

Consumido, digerido, excretado e enviado descarga abaixo

Mas isso poderá mudar em breve, como descobriu a delegação japonesa em sua visita à fábrica piloto de Leoben. A região em torno da fábrica já foi o centro da indústria de mineração da Áustria, que desde então entrou num declínio visível. Muitas casas em Leoben estão vazias hoje.

Agora a mineração urbana poderá dar nova vida à região. As cinzas são entregues à fábrica por caminhões da companhia de tratamento de esgoto em Viena, a cerca de 150 quilômetros dali. A poeira marrom clara e fina é guardada em grandes sacos plásticos, e nada ali sugere que suas partículas já foram uma refeição deliciosa, antes de ser consumida, digerida, excretada e enviada descarga abaixo pelo sistema de esgoto da cidade.

Quando chegam na fábrica, as cinzas do lodo de esgoto não são apropriadas para serem usadas como fertilizantes, porque contêm níveis excessivamente altos de metais pesados como o cádmio. À medida que as engrenagens gemem e as correias transportadoras chiam, as cinzas, combinadas com aditivos químicos, passam para um forno giratório, onde uma chama de gás natural as esquenta a 1.000 ºC. Depois de meia hora no forno giratório, as cinzas, que já passaram por dois processos de purificação, têm um conteúdo de cerca de 16% de fosfato. Elas são então enriquecidas com outros nutrientes, como o potássio e o nitrogênio, para chegar ao produto final: o fertilizante urbano.

"Depois da reciclagem, o conteúdo de metal pesado é significativamente mais baixo do que na maioria dos fertilizantes convencionais", diz Ludwig Hermann, co-fundador da Ash Dec. "No começo, tudo que podia dar errado dava errado", diz ele, referindo-se à fábrica piloto de US$ 2,7 milhões. "As caldeiras quebraram e as cinzas cozinharam até virarem pedaços duros". A máquina que Hermann usa agora para a mineração urbana já foi usada para processar alumínio.

"O miraculoso portador da luz"

Suas experiências são comuns na emergente indústria de reciclagem de fosfato, onde há muita especulação, testes e erros – quase como era há 340 anos, quando o fósforo foi descoberto. Foi o alquimista Hennig Brand, de Hamburgo, que descobriu uma substância promissora que brilhava misteriosamente no escuro, enquanto buscava a "pedra filosofal" em 1669.

A receita do alquimista era de certa forma estranha. Pegue a urine "dourado-amarelada", destile-a e aqueça o resíduo. Usando este método rudimentar, ele obteve alguns gramas de fósforo a partir de várias centenas de litros de urina. Então ele vendeu os pedaços a outros cientistas por grandes somas de dinheiro. O matemático Gottfried Wilhelm Leibniz também estava interessado o segredo do "phosphorus mirabilis" ("o miraculoso portador da luz").

O uso prosaico do fosfato como fertilizante foi descoberto por acidente mais de 200 anos depois. O material era um subproduto da produção de aço na Inglaterra, conhecido como o pó de Thomas. Este lixo industrial mais tarde se mostrou útil como um ótimo fertilizante.

Depois disso, o fósforo passou a ter várias aplicações: na fertilização das plantas, nas rações animais, na superfície das caixas de fósforo e nas armas. Ironicamente, os aliados usaram bombas incendiárias de fósforo na 2ª Guerra Mundial para destruir Hamburgo, o local em que o "milagroso portador da luz" foi descoberto.

Salvação nos esgotos

Com o advento da mineração urbana, uma nova fonte do escasso elemento está sendo explorada. Muitos métodos para retirar materiais brutos do esgoto estão sendo testados no processo. Na Holanda, por exemplo, a companhia Thermphos está produzindo fósforo branco de qualidade para uso na indústria a partir de grandes quantidades de cinzas de lodo de esgoto. A Alemanha também em breve assumirá um papel pioneiro com um centro de pesquisa inovador na reciclagem de fósforo.

No mais tardar em 2012, Hermann planeja construir uma fábrica de 12 milhões de euros dentro de um projeto com o Instituto Federal para Pesquisa e Teste de Materiais, com sede em Berlim. Um local no Estado de Brandemburgo, no leste da Alemanha, está sendo considerado.

"Com a nossa tecnologia, a reciclagem poderá satisfazer um terço da demanda por fertilizantes da Alemanha", diz Hermann. Sua primeira fábrica em escala industrial deverá ser sete vezes maior do que a fábrica piloto na Áustria, e produzirá 29 mil toneladas de fertilizantes por ano. Ele planeja obter o material bruto das estações de tratamento de esgoto próximas, num raio de 300 quilômetros. Mas a maior parte dele virá daquela que talvez seja a mais importante mina de fosfato da Alemanha: os esgotos de Berlim.

Fonte: Der Spiegel – http://www.spiegel.de/

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