quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Na cidade de Cunha (SP) pode-se ver um exemplo de como manter tradições. Anitápolis e outras cidades próximas a Florianópolis devem se inspirar nesta experiência!

Vejam artigo abaixo, copiado de http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/cidade-cunha-natureza-tradicao-historica-ceramica-644131.shtml?func=2:


Silvia Reali

Na crista da montanha, a vista panorâmica revela, em primeiro plano, a Pedra da Macela

VIAGEM

Com a bênção da natureza

Aninhada entre montanhas e vales pontilhados de araucárias, Cunha presenteia o viajante com sua história única, floresta, cachoeiras, tradições folclóricas, e a nobre arte da cerâmica



{txtalt}
Em 1965, o antropólogo americano Robert Shirley mudou-se para Cunha, distante cerca de 220 quilômetros de São Paulo, para escrever seu livro O Fim de uma Tradição (Perspectiva). Ela fora escolhida dentre as cidades do Brasil em razão da riqueza e da diversidade de sua cultura. Mas, de acordo com o autor, as tradições locais não demorariam a se perder devido à proximidade das modernas metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro. Vinte e cinco anos depois, Shirley retornou à cidade e confirmou que ela absorvera o progresso. Contudo, para sua surpresa - e sorte dos viajantes de hoje -, os traços locais não apenas resistiram como se fortaleceram.

Do século XVII ao XVIII, Cunha era apenas um local de passagem. Todo o ouro extraído das minas das Gerais embarcava no Porto de Paraty rumo a Portugal. O trajeto, chamado Estrada Real, cruzava as serras da Bocaina, do Mar e do Quebra-Cangalha, onde os tropeiros com suas mulas carregadas com o metal precioso ziguezagueavam por aquele mar de montanhas. Com o clima frio, era necessário criar um pouso no caminho, para descanso e para alimentar os homens e os animais. Assim nasceu a cidade que hoje se beneficia por estar situada estrategicamente entre duas reservas: o Parque Nacional da Serra da Bocaina e o Parque Estadual da Serra do Mar. Por isso, as trilhas são os primeiros atrativos procurados por quem chega ali. Uma delas leva à Pedra da Macela, imponente pico de pedra a 1.840 metros de altitude. Em dias claros, se avistam a Baía de Paraty, a Baía Grande e Angra dos Reis. A subida é íngreme, mas a bela vista panorâmica vale todo o esforço.

CAIPIRA DA GEMA A paisagem é de tirar o fôlego, e o mesmo se pode dizer de sua culinária marcada por influências indígenas, dos colonizadores portugueses, e pela forte herança dos tropeiros. Não se trata, porém, de uma gastronomia própria. O sabor inconfundível brota, principalmente, do jeito de cozinhar tudo, muito lentamente, em fogão a lenha. Os produtos são os da região: angu, couve, frango caipira, e o substancioso feijão tropeiro misturado à carne e à farinha. Que história é essa? Estamos falando de comida mineira? Isso mesmo, esses pratos, dizem os historiadores, só foram parar na mesa dos habitantes de Minas Gerais depois que os viajantes começaram a transitar pela Estrada Real. Portanto, a comida mineira é antes paulista e caipira. Caipira boa da gema! Por falar em gema, quantas entram no preparo de bolos, ambrosias, tortas e queijadinhas! Daí sobrarem muitas claras que são aproveitadas para outros quitutes. É o que faz dona Cidinha com seu saboroso suspirão, incrementado com recheio de doce de coco, e vendido na doceira ao lado da igreja matriz.

Graças ao clima, Cunha também é conhecida pelo cultivo de cogumelos. A caminho da Cachoeira do Pimenta, tida como a mais bela da região, dê uma paradinha nas estufas de shiitake de Suzana Lopes para conhecer um pouco mais sobre essa intrigante família de fungos que tem a "missão" de decompor materiais orgânicos, e devolvê-los ao ambiente. Suzana os cultiva ali devido à pureza e à abundância da água. Até quem nunca viu um cultivo nem conhece os valores alimentícios dos cogumelos, ricos em proteínas, vai tomar gosto. Corre, porém, o risco de ficar inclinado a começar uma pequena produção no quintal de casa. Cultivar o shiitake (Lentinula edodes) é fácil. Primeiro, é preciso inocular os esporos em toras de eucalipto. Depois, manter sempre a umidade e a limpeza. Então, é só esperar que brotem os delicados fungos cor de canela, com seus graciosos chapéus de pintinhas brancas, e saboreá-los nos mais variados preparos.

E pensar que ainda nem mencionei a metade do que a cidade oferece. Uma gastronomia à base de pinhão, antes comida de sustança da roça, e dieta básica do esquilo e do porco-espinho nos meses frios; a Congada, com danças e cantos que celebram a devoção a São Benedito; uma enorme concentração de fuscas; uma moçada com pernas bem torneadas de tanto subir e descer ladeiras e a Casa do Artesão, onde se encontram colchas de retalhos, bolsas de fuxico, além de canecas de ágata, panelas e moringas de barro, que mantêm a água fresquinha.

ROÇA CHIQUE
A argila encontrada nos vales de Cunha sempre foi apreciada por suas paneleiras, que moldavam utensílios para o uso cotidiano. À maneira herdada dos índios, eram alisados com pedras de rio e sabugos de milho. Atraídos pelas montanhas e pela serenidade do lugar, em 1975, chegou a Cunha um pequeno grupo de ceramistas provenientes do Japão. O barro de boa qualidade e o declive natural do terreno, que favorecia a construção de fornos Noborigama, incentivou-os a permanecer na cidade. Essa técnica de origem chinesa, milenar e arcaica, baseia-se em fornos com quatro a cinco câmaras, construídos em rampa. As peças queimam durante 35 horas e demoram três dias para esfriar. O resultado é uma cerâmica de grande qualidade, resistência e beleza. Dentre os artistas de Cunha se destacam José Carlos Camargo, com peças de cores e texturas inusitadas, e Suenaga e Jardineiro, que fazem da abertura das fornadas - a próxima será no início de outubro - verdadeiras festas. Há os que, como Flávia Santoro, preferem a técnica Rakú, ou queima a sal. O condimento colocado dentro do forno cria um efeito esmaltado e colore a cerâmica com tons entre o laranja e o amarelo. Flávia, assim como muitos outros moradores, trocou a cidade grande por um trabalho e viver prazerosos em meio às montanhas.

Muito da satisfação da viagem está na escolha certeira da pousada. Se for, por exemplo, a da Barra do Bié, localizada ao lado da corredeira de um rio, a temperatura será um tantinho mais baixa, daí o aconchego moderno de uma coberta elétrica oferecida aos hóspedes. Se a preferência for a de ficar hospedado em local alto, de onde se avista o mais belo pôr do sol da área, a escolha poderá ser a Pousada da Mata. Também é para os que gostam de acordar com o cacarejar "tôfracotôfracotôfraco" das galinhas-d’angola, e um café da manhã com queijo da fazenda, coalhada fresca, e "pão de mel de comer rezando".

É assim, comungando com a natureza, que Cunha vai tomando conta da alma da gente. Mas, não contarei tudo o que vi. A escritora chilena Isabel Allende ensina: "Não revele tudo sobre um lugar, deixe que o visitante também faça suas próprias descobertas". Como não resisto, direi ainda uma coisinha só: há os que vão a Cunha para ver... o céu!

Então, aceite o convite, e descubra esse lugar bão demais da conta, como dizem naquele delicioso falar caipira, que graças aos deuses também não se acabou. Veja a galeria de fotos aqui.

Nenhum comentário: