terça-feira, 15 de setembro de 2009

Mais uma cidade "de costas para o rio" perdendo dinheiro...

Rios Iguaçu e Paraná expõem contrastes entre Brasil e Argentina

Plantão | Publicada em 14/09/2009 às 11h10m

(de http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2009/09/14/rios-iguacu-parana-expoem-contrastes-entre-brasil-argentina-767596960.asp)

Portal RPC

Hotel Hilton erguido do lado argentino das Cataratas do Iguaçu - Reprodução Portal RPC/Afiliada TV Globo

CURITIBA - Duas realidades opostas compõem o mapa geográfico da Tríplice Fronteira. Na Argentina, empreendimentos de luxo prosperam às margens do Rio Iguaçu, em plena área de mata nativa. No Brasil, a orla do Rio Paraná é dominada por moradias irregulares e operações noturnas de narcotraficantes. As decisões políticas passadas pesam no cenário atual.

Os argentinos preservaram boa parte da mata nativa à beira do Rio Iguaçu e conseguiram conter a ocupação irregular. No Brasil, a história é diferente. A barranca do Rio Paraná começou a ser tomada por moradias irregulares a partir de 1970, impulsionada pelo boom populacional desencadeado pela construção da hidrelétrica de Itaipu. A população de Foz do Iguaçu, de 33.970 habitantes em 1970, passou para 136.320, em 1980.

Com a beira do Rio Iguaçu preservada, os argentinos conseguiram colher frutos e preparar um cenário ideal para atrair investimentos milionários na atualidade, além de acomodar os turistas que visitam as Cataratas do Iguaçu. Assim, surgiu um projeto do governo de Misiones, província vizinha ao Paraná, detentor das terras: um megacomplexo turístico com 45 empreendimentos, entre hotéis, quadras de golfe e parques temáticos. O condomínio, 'ecologicamente correto' começou a ser construído há quatro anos em uma área de 600 hectares, em Puerto Iguazú, cidade vizinha a Foz do Iguaçu.

Dos 600 hectares, o governo destinou 280 para uma reserva indígena Mbya guarani onde vivem 50 famílias. Outros 320 hectares foram divididos em 45 lotes para atrair os investidores da iniciativa privada. Nesta fatia de terra há 25 projetos de hotéis de três e quatro estrelas, 10 hotéis de cinco estrelas, centros para criação de animais e cinco parques temáticos, um deles dedicado ao resgate da história das Reduções Jesuíticas - comunidades criadas para catequizar índios.

Esse parque terá hotel e um teatro com capacidade para 300 pessoas, cujo anfiteatro será ornamentado por um rio artificial propício para encenar a saga indígena. Dos 45 projetos, 15 já saíram do papel e estão em fase de construção. Três já foram inaugurados. Outros quatro empreendimentos começam a funcionar no próximo ano, incluindo o Hotel Hilton, às margens do Iguaçu. Há também estabelecimentos da bandeira Lois Suítes, Hyatt e Radisson.

Os investimentos, que passam de US$ 1 bilhão, segundo o diretor geral da Secretaria de Turismo em Puerto Iguazú, Eduardo Allou, não param por aí. Uma rede da Índia, que já tem um estabelecimento em Dubai, está negociando com o governo a construção de um hotel sete estrelas. Somam-se aos hotéis, um anfiteatro a céu aberto e um restaurante com 400 lugares, que será inaugurado ainda este mês, também à margem do Iguaçu. Com os projetos, os argentinos irão disponibilizar mais 4.500 leitos à fronteira e gerar 3.800 empregos diretos e outros 2 mil indiretos. Hoje, Puerto Iguazú comporta 7 mil leitos. Em Foz do Iguaçu, a rede hoteleira oferece 18.800 leitos.

Segundo Allou, os empreendimentos precisam respeitar rigorosamente normas ambientais.

- Nenhum prédio pode ter mais de quatro andares para não superar a altura das árvores - diz.

Em lotes de 10 hectares, a área construída não pode passar de 20%.

Do lado de cá

No lado brasileiro, a orla do Rio Paraná não tem hotéis, mas sobram mato e barracas. A única edificação marcante é o Espaço das Américas, anfiteatro público inaugurado em 1997, situado junto ao Marco das Três Fron­teiras, onde os rios Iguaçu e Para­ná se encontram. Dois clubes privados de pesca mantêm restaurantes próprios no local. Mas o fluxo de turistas na pe­­que­­na área turística ainda é tí­­mido por dois motivos: falta de atrativos e de segurança. A construção de um restaurante com vista panorâmica, prevista para o local, está parada.

A maior parte da orla, entre a região da Ponte da Amizade até o Marco das Três Fronteiras, pertence à União por estar em uma área de fronteira e atualmente é dominada por moradias irregulares. São 910 famílias que vi­­vem em cinco favelas à beira do Rio Paraná, nos limites com o Paraguai. À noite, o lugar ocupado por moradores e pescadores dá espaço para barcos que saem do Paraguai em direção ao Brasil com mercadorias e drogas. A prefeitura está pleiteando junto ao governo federal recursos para remover 100 famílias de umas das favelas, a do Bambu. Para as demais não há previsão nem dinheiro disponível, pelo menos em curto prazo.

A realidade incomoda o setor de turismo de Foz do Iguaçu, principalmente a rede hoteleira, que deve ver uma migração de turistas em direção a Puerto Iguazú.

Para o presidente do Conselho Municipal de Turismo de Foz do Iguaçu (Comtur), Paulo Angeli, seria possível Foz do Iguaçu alavancar o turismo a partir da construção de restaurantes, mirantes, áreas de lazer e de esportes nas proximidades dos rios Iguaçu e Paraná. No entanto, os investimentos es­­ barram na legislação.

- A barranca do Rio Paraná está ocupada pelas favelas e pela marginalidade. Entendemos que existe gente de bem lá, mas não há legislação que incentive o empresário a ter responsabilidade se ele puder investir na área - diz.

O chefe regional do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) Irineu Rodrigues Ribeiro diz que a Lei 4.771 de 1965 impede a construção em áreas de preservação permanente. A faixa de recuo varia conforme o tamanho dos rios. No Rio Paraná, em Foz do Iguaçu, a média é 200 metros. Caso a obra seja de utilidade pública, como é o caso do Espaço das Américas, podem ser feitas concessões após minucioso estudo para minimizar o impacto ambiental.

Culturas diferentes

O pesquisador do mestrado de História da Unioeste German Sterling diz que na Argentina já existe uma cultura que privilegia a relação entre a população e o rio. O exemplo começa em Posadas, capital do estado de Misiones, onde as margens do Rio Paraná são movimentadas pela prática de esporte, por restaurantes e por festivais, constituindo um verdadeiro dinamismo cultural.

- Os moradores de Foz estão de costas para o rio. Não há uma cultura como existe em Puerto Iguazú, onde os moradores se reúnem próximo ao rio ao entardecer e às noites - diz Sterling

Na análise dele, a revitalização ribeirinha sairia mais barata ao Brasil do que o custo social decorrente da realidade atual.

- O prejuízo social causado pelo tráfico poderia ser amenizado por uma ocupação racional, sustentável e ecológica - sugere.

No entanto, segundo Sterling, é preciso pensar em um projeto que inclua os moradores atuais da área. Para o sociólogo Afonso de Oliveira, Foz do Iguaçu sentirá um impacto no futuro.

- O que pode acontecer é o turista preferir se hospedar na Argentina e vir a Foz só para visitar as Cataratas - alerta.

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