quarta-feira, 12 de março de 2008

Oferta escassa compromete orgânicos

Esta é uma notícia que deveria despertar a atençaõ e a curiosidade dos nossos produtores em Anitápolis e região!

Oferta escassa compromete orgânicos
Bettina Barros, De Nurembergue (Alemanha)
11/03/2008

O produtor baiano Aristófanes Carneiro está prestes a entrar na Europa. No mês passado, processadores de bebidas da Alemanha fizeram uma proposta para comprar água de coco com certificação orgânica de sua plantação no Delta do Parnaíba, no norte do Piauí. "Eles querem comprar tudo o que eu conseguir produzir", conta. Aristófanes produz hoje 15 mil cocos por mês, o que dá uma média de 5 mil litros de água. "Se eu tiver mais, eles também vão comprar".


O coco orgânico, que hoje ele vende só no mercado interno, é uma nova frente de negócios. Em 2007, ele fechou um contrato de quatro anos de fornecimento de 14 toneladas de acerola orgânica certificada a uma processadora dos Estados Unidos.


"O mercado está aquecido", diz Aristófanes, em meio ao intenso vai-e-vem de pessoas ávidas para fechar negócios na Biofach Nurembergue, a maior feira de produtos orgânicos do mundo, realizada anualmente na cidade alemã. "A renda mais alta da população mundial está provocando isso", ele especula. E atesta: "Mas nós não temos condições nem de longe de atender esse mercado".


Aristófanes tem razão. O crescimento de dois dígitos do setor na última década estremeceu a relação oferta-demanda mundial. O segmento é hoje um negócio de gente grande: movimentou US$ 40 bilhões em 2007 e a expectativa é que atinja US$ 60 bilhões até 2010.


Para quem começou de forma artesanal, com uma filosofia de vida por trás, a expansão da área plantada com culturas orgânicas deve ser celebrada. Já são 30,4 milhões de hectares em 135 países certificados segundo os preceitos dessa agricultura, segundo o Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica (FiBL), uma referência no assunto.


Líderes do movimento, que surgiu nos anos 40 como uma reação à crescente dependência por fertilizantes sintéticos, atribuem que o sucesso dos orgânicos a uma conscientização mais elevada hoje da população. Seria uma resposta à forma doentia como regemos o planeta.


A opção pela agricultura que respeita o ambiente e os animais - e que resulta em uma alimentação mais saudável - manteve a média de expansão de 20% em dez anos.


Seriam motivos para comemoração não fosse um descompasso perigoso: a oferta não está acompanhando a demanda global por produtos orgânicos. Esse cenário pressiona ainda mais os preços, que são tradicionalmente mais altos que os dos alimentos convencionais e explicam a pequena participação do setor em países de baixa renda, como o Brasil. A necessidade de mais orgânicos pode também abrir brechas para fraudes nas certificações.


É a dor do crescimento, admitem os produtores. "É a hora do setor encarar suas grandes questões", diz Beate Huber, do FiBL. Por enquanto, há mais perguntas que respostas.


A falta de sincronia entre o quanto se planta e o quanto se compra é o que mais aflige produtores e traders, por razões econômicas óbvias. Nos Estados Unidos, onde o mercado consumidor saltou 21% apenas no ano passado, a área de conversão para a agricultura orgânica subiu apenas 1% no mesmo período. Uma das explicações é que a regulamentação para o setor foi aprovada no país apenas em 2002, o que segurou a adesão de novos produtores.


Outro entrave está no tempo e custo de conversão. São necessários três anos de preparo da terra para obter a certificação orgânica. "E quem paga pelo processo é o produtor. Os americanos estão buscando alternativas para isso", diz Joe Smillie, vice-presidente da certificadora Quality Assurance Internacional.


A conjuntura internacional das commodities agrícolas também joga contra. Produtores de carne e leite orgânicos dizem sentir o peso da alta nos preços da soja e do milho - base da ração animal - e já falam em voltar à agricultura convencional. O milho orgânico, vendido a US$ 200 por tonelada no trimestre passado, vale hoje aproximadamente US$ 500, quando pode ser encontrado.


Um recente exemplo disso ocorreu quando uma unidade da americana Dean Foods, que processa leite de soja orgânico, anunciou ao mercado que abrirá mão da certificação por não tem condições de utilizar apenas a matéria-prima sem aditivos. Conclusão: a área plantada nos Estados Unidos não deslancha. Representa 0,5% da área total para cultivo e pastagem, segundo o governo.


Na Europa, a situação é semelhante. A demanda por alimentos orgânicos no continente cresceu 16% em 2006. O fato de ser historicamente uma agricultura familiar (com pequena escala) combinado ao pouco espaço disponível para a expansão agrícola levou a uma situação de escassez em quase todos as culturas orgânicas na Europa.


"Toda semana os preços estão subindo por conta da escassez de produtos orgânicos, e quando digo toda semana é isso mesmo", diz ao Valor Joseph Stern, presidente da americana SunOpta, uma processadora de bebidas orgânicas e importadora de matéria-prima. A carestia estende-se de pêssegos a limões, mas a situação é crítica em relação às frutas vermelhas produzidas na Europa (framboesa, amora, morango, etc).


Uma das opções foi encorajar produtores de países com clima semelhante para suprir a demanda. Em uma iniciativa inédita, a SunOpta pagará um prêmio aos alimentos "em transição" - produzidos em terras que não completaram o período de três anos de conversão. "Os varejistas querem até isso porque não há oferta", diz Stern. Segundo o executivo, falta só definir como e sob qual nome esses produtos serão introduzidos nas gôndolas dos EUA.


O projeto-piloto está sendo desenvolvido no Chile. Cerca de 24 agricultores receberão de 5% a 10% de prêmio por tonelada entregue de frutas vermelhas à empresa. O prêmio ao produto orgânico varia de 30% a 75%. "É uma forma de garantir fornecimento estratégico. Se der certo, replicaremos em outros países".


A pressão mundial por entrega, porém, já começa a deslocar a atenção para as certificadoras. Em momentos como esse, as chances de vista grossa sobre um ou outro preceito da agricultura orgânica tende a crescer. "A escassez aumenta a tentação para se trapacear", diz Beate Huber, do FiBL. "É um risco e estamos conscientes". Segundo a pesquisadora, 95% do sistema está funcionando. "Precisamos só reagir de forma mais rápida quando a fraude ocorrer".


De 2003 a 2007, o número de certificadoras no mundo subiu de 364 para 468. O ponto mais fraco é a comunicação. "Por falta de uma comunicação integrada, um produtor estrangeiro trocou uma certificadora exigente por outra que facilitou a entrada dele na Europa. Essa informação deveria chegar a nós."


A adesão de gigantes como Wal-Mart também é vista com suspeita. Muitos ideólogos do movimento temem que os critérios de sustentabilidade acabem se perdendo e que uma nova era de "business as usual" seja criada no segmento.


A discussão divide opiniões, mas no fim do dia todos parecem concordar que a chegada do grande varejo pode dar impulso maior à demanda e estimular a oferta.


Gerald Hermann, presidente da Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam, a "ONU dos orgânicos"), sintetizou o espírito de Nurembergue. "O orgânico virou 'mainstream'. Mas não podemos esquecer o espírito do começo, as raízes do movimento. É preciso dizer às grandes empresas que há uma abordagem ética".


A jornalista viajou a convite do projeto Organics Brasil


(da ValorOnLine - http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/agronegocios/179/Oferta+escassa+compromete+org%c3%a2nicos,08113,,179,4821563.html)

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